“Sonhos e mitos representam importantes comunicações de nós mesmos para nós mesmos”. Erich Fromm
“Nenhum símbolo onírico pode ser separado da pessoa que o sonhou, assim como não existem interpretações definidas e específicas para qualquer sonho”. Carl Gustav Jung
Sonhos é a via real para o conhecimento das atividades inconscientes”. Sigmund Freud
Sonho, como diz Erich Fromm, é um dos mais enigmáticos fenômenos de nossa vida. Consciente disto, quero dizer que não pretendo teorizar sobre este fenômeno tão complexo. No entanto, não posso negar que sonhar, conteúdo dos sonhos e a sua interpretação sempre foram objetos do meu interesse de modo que, desde garota, lia sobre este tema tentando interpretar os meus sonhos e/ou pesadelos. Era uma boa aluna. Estudava e lia tanto que sonhava até com meus cadernos “passeando” nas paredes, como se eu estivesse assistindo algum programa de TV.
Tentava interpretá-los. Acertei algumas vezes e errei noutras. Com a curiosidade própria da adolescência ficava buscando o significado do sonho que tinha em determinada noite, a partir de imagens e/ou sentimentos que o marcavam. Não contava com ninguém para me ajudar a entender tantos sonhos ou pesadelos. Nenhum especialista. Só me restava recorrer a “manuais”, a exemplo de “O grande livro dos sonhos”, de Emílio Salas, e “Os segredos dos sonhos”, de Roman Cano, que trazem exemplos como: – Sonhar com arco íris é sinal de sorte e êxito em tudo que desejamos realizar porque entramos em contato com energias superiores, que nos permitem tirar o máximo de proveito de nossas capacidades e habilidades pessoais.
Este tipo de leitura não foi suficiente. Os anos passaram e comecei a ler sobre a história dos sonhos, quando me deparei com algumas obras, inclusive o “Livro dos sonhos” de Jorge Luis Borges ou Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo, escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino (1899-1986). Nesta obra “viajei” até os primórdios das civilizações e me aproximei um pouco de interpretações dos sonhos sob diferentes óticas: mística, filosófica, religiosa etc. Li um livro com a seguinte apresentação: “Este livro de sonhos que os leitores tornarão a sonhar abarca os sonhos da noite – os que eu assino, por exemplo – sonhos do dia, que são um exercício voluntário da nossa mente, e outros de raízes perdidas: digamos, o sonho (anglo-saxão) da Cruz.”
Apesar do esforço, não cheguei a nenhuma conclusão. Tentei, então, me aproximar um pouco da teoria dos sonhos de Sigmund Freud (1856-1939), aquele que, no dealbar do século XX, revigorou a antiga concepção de que: “Os sonhos são, simultaneamente, significativos e importantes: não sonhamos nada que não seja uma expressão relevante de nossa vida interior e todos os sonhos podem ser entendidos se dispusermos da chave; a interpretação é a `via regia´, o principal caminho para a compreensão do inconsciente e, por conseguinte, a mais poderosa força motivadora tanto do comportamento patológico quanto do normal. […] o sonho é a consumação das paixões irracionais, reprimidas, quando estamos acordados.”
A interpretação freudiana dos sonhos baseia-se no mesmo princípio subjacente a toda a sua teoria psicológica: o conceito de que podemos ter anelos (inconscientes), sentimentos e desejos motivadores de nossas ações dos quais, todavia, não tomamos conhecimento por razões diversas, incluindo o medo de perdermos a aprovação de pais, amigos; a necessidade de não nos sentirmos culpados; entre outros.
Mais alguns anos e coloquei a mão mais acima, alcançando um jovem contemporâneo de Freud, Carl Gustav Jung (1875-1961) que o encontrou pessoalmente em 1907, quando o visitou, em Viena e, logo, Freud reconheceu o valor de Jung vendo neste um filho mais velho. Mas, em 1912, o Livro de Jung “Metamorfose e símbolos da libido” marcou as diferenças doutrinárias profundas que o separavam de Freud porque, enquanto para Freud, a única interpretação possível de um sonho está na teoria da realização de um desejo, Jung foi dispensando a livre associação e, de forma igualmente dogmática, tendeu a interpretar o sonho como a manifestação da sabedoria do inconsciente e a afirmar que a voz em nossos sonhos não é nossa, mas provém de uma fonte que nos transcende. Um parêntese: são inúmeros os livros de Jung. Gosto muito de “Memórias, sonhos, reflexões” e, também, de “Vida e obra”, escrito por Nise da Silveira.
Caminhando mais um pouco, conheci Erich Fromm (1900-1980) e me detive em “A linguagem esquecida” (uma introdução ao entendimento dos sonhos, contos de fadas e mitos), na qual Fromm ressalta: “A diferença entre a interpretação de Jung e a minha pode ser resumida nesta afirmação: “Concordamos que, muitas vezes, somos mais sábios e dignos dormindo do que acordados. Jung explica o fenômeno com a hipótese de uma fonte de revelação que nos transcende, ao passo que eu creio ser nosso o que pensamos durante o sono e haver boas razões para o fato das influências a que estamos sujeitos em nossa vida de vigília terem um efeito, sob muitos aspectos, estupidificador sobre nossas realizações morais e intelectuais”.
Na minha vida adulta continuei tentando entender os sonhos. Fiz alguns treinamentos para fazer do sonho um espaço para materializar alguns dos meus desejos subjetivos. Fui aprendendo, no sonho, a passar, por exemplo, de uma janela para outra, a não pular de lugares altos, a me livrar de alguma ameaça. Parece loucura, mas, às vezes, consigo.
Muitas vezes, como ocorreu quando fiz o Caminho de Santiago de Compostela, que apresento no livro que lancei em dezembro de 2020: “O Caminho de Santiago de Compostela – Diário de uma peregrina em busca de fé”, que está sendo vendido pela Amazon, os meus sonhos funcionaram como sinais, pois um ou dois dias depois eu vivenciava alguma situação que tinha relação com o último sonho.
O certo é que, da infância e da adolescência à vida adulta e à atual, o conteúdo dos meus sonhos, no sentido amplo, tem sido costurado a outros “retalhos” da minha vida, explicando parte do meu viver e contribuindo para uma maior compreensão e, muitas vezes, aceitação do que ocorre no meu cotidiano.
Por fim, não como especialista, mas como uma pessoa que presta muita atenção nos sonhos e que vê neles um espaço para a compreensão de “retalhos” da vida, a mensagem que deixo é a seguinte:
– para interpretar os sonhos, a pessoa deve ter conhecimento, talento, prática, paciência e reconhecer que o sonho tem significado. Quando o sonho parece vivo, real (registrado ou não em diário dos sonhos), ao acordar, deve-se procurar lembrar como estava se sentindo no sonho, visualizar imagens sonhadas, passíveis de serem conectadas com o que ocorreu ou está ocorrendo ao redor (com você e/ou com outras pessoas), e tentar encontrar respostas explicativas, compreensivas, sem minimizá-las ou maximizá-las. Escutá-las com o coração é uma das melhores formas de encontrar respostas. É preciso tentar pois, como assinala Fromm, retomando princípios anunciados por Freud, “[…] o sonho não interpretado é como uma carta não aberta”.
BRITO, Delva. Sonhos: interprete-os com o coração. Salvador, BA, 2021. Disponível em: <http://www.delvabrito.com.br>. Acesso em: (registrar: dia mês ano Ex.: 20 mar. 2021).